quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Curiosidades Bíblicas: A História Oficial dos Evangelhos(*)

Sabe-se que Cristo nada escreveu e que seus ensinamentos foram transmitidos por seus seguidores, e posteriormente transcritos em diferentes épocas, muito tempo depois de sua morte, contribuindo para a formação do Cristianismo.

Todavia o excesso de versões que haviam sobre a vida do Cristo, dispersavam o entendimento dos fiéis. Assim, no ano 178 da era cristã, o bispo de Lyon, Irineu, decidiu que deveriam ser apenas 4 evangelhos que contariam a história do filho de Deus e, portanto, deveriam ser os únicos a serem seguidos pelos cristãos.

Artigo publicado na Revista Superintessante  nos “diz que os critérios que orientaram a escolha de Irineu foram subjetivos. O primeiro, dizem historiadores, foi a facilidade de compreensão, já que os textos precisariam ser lidos em voz alta para os fiéis – afinal, a maioria era analfabeta. O segundo ponto era a idade: os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João estavam entre os mais antigos, escritos entre 65 e 95 d.C. O terceiro argumento foi o número 4, considerado especial por Irineu – porque havia "4 ventos e 4 direções (norte, sul, leste e oeste)", como escreveu o próprio bispo. E, por óbvia conclusão, 4 evangelhos. Deu para entender a lógica?”

Naquela época, duas correntes disputavam a supremacia sobre a Igreja de Cristo: os cristãos ocidentais e os gnósticos. Deve-se ressaltar que Irineu representava o cristianismo ocidental, ligado aos legados do apóstolo Pedro, que pregou em Roma. Irineu , rejeitava – os pensamentos gnósticos. "Os gnósticos diziam que a salvação vinha pelo autoconhecimento.

Os gnósticos acreditavam que não precisavam freqüentar cultos e igrejas ou ter um padre como intermediário para se chegar a Deus. Também afirmavam que a morte de Cristo na cruz serviu para libertá-lo da prisão que era seu corpo, mas seu sofrimento não poderia salvar os homens que aderissem à Igreja Católica", diz Jacir de Farias. Na prática, a pregação gnóstica não era nada interessante para um bispo que tinha como objetivo fortalecer a Igreja. Evangelhos como o de Judas, Tomé e até o de Pedro receberam o carimbo de heréticos.”

Segundo Elaine Pagels, renomada estudiosa de assuntos religiosos, "os líderes da Igreja queriam que o Novo Testamento fosse um guia do que os fiéis deveriam aprender. Por isso, os 4 evangelhos oficiais são livros óbvios, claros. Os textos proibidos, não. Eles são místicos, inesperados, paradoxais, mais próximos à cabala judaica. São para iniciados que querem se aprofundar na fé".

Ao fazer suas escolhas, Irineu selou o destino de Judas. Um exemplo: por que Pedro, que negou Cristo 3 vezes, jamais teve sua virtude colocada em dúvida e não entrou para a história como traidor? "Pedro, chefe da Igreja em Roma, tinha de ser o herói. A Igreja elegeu Judas como vilão já que um dos 12 deveria trair", diz o historiador Chevitarese.

"Judas serve como exemplo para amedrontar os cristãos que não seguirem o Evangelho", comenta Jacir. "O cristianismo precisa desses arquétipos. Destruí-los é mexer nas bases que o sustentam." Foi mais seguro para Irineu, portanto, ficar com os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, que seguiam linhas parecidas e não feriam os princípios de que Pedro era o apóstolo mais próximo de Cristo e Judas, o traidor.
Assim, não chega a ser surpresa, que a Igreja tenha recebido com frieza a descoberta dos manuscritos do Evangelho de Judas. Ainda que pesquisadores como Marvin Meyer, coordenador dos trabalhos de tradução, defendam uma "reavaliação da figura histórica de Judas Iscariotes", o Vaticano veio a público negar a benção ao novo evangelho. Walter Brandmuller, presidente do Comitê para Ciência Histórica do Vaticano, chamou o texto de "produto de fantasia religiosa". E, na primeira missa após a divulgação do evangelho, o próprio papa Bento 16 fez questão de apresentar sua opinião sobre o tema. Não aliviou nas palavras. "O que deixa o homem imundo? A rejeição ao amor, o não querer ser amado e o não amar. É a soberba de acreditar que não precisa de purificação, a rejeição da vontade salvadora de Deus. Em Judas, vemos a natureza dessa negação com mais clareza. Ele valorizou Jesus segundo os critérios do poder e do sucesso", disse.

"A Igreja nunca vai aceitar a versão que absolve Judas da traição. Na visão dela, o pecado de Judas existiu e se deve ao mau uso de sua liberdade. Afinal, ele tinha livre-arbítrio para escolher não entregar Cristo. Não foi um ato inevitável, nem um fatalismo", diz o historiador da religião João de Araújo. O frei Jair de Faria concorda. "Judas somos todos nós quando traímos o projeto do Evangelho. O recado é claro: na dúvida, melhor não trair." Judas que o diga.

(*) Essa postagem foi elaborada com base em artigo publicado na Revista Superinteressante, Edição 226,maio de 2006, com algumas adaptações.
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          Superinteressante, Edição 226,maio de 2006

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